O Último Pedaço Doce

O Último Pedaço Doce

O vento de outono varria as folhas secas pelo asfalto e fazia ondular a barra do meu casaco. À minha frente se estendia a Rua do Sabiá — um beco tranquilo que só no Halloween revelava seu charme sombrio. Em cada jardim, abóboras esculpidas lançavam sorrisos irônicos na noite. Crianças fantasiadas de fantasmas e bruxas corriam de porta em porta, e seus gritos de “gostosuras ou travessuras” ecoavam pelo ar frio.

Mas eu, o detetive Lennart Voss, não estava ali pelos doces. No fim da rua erguia-se a Vila Harlow — escura, sem luzes, sem risos. Foi ali que, exatamente um ano antes, Alistair Finch fora assassinado. Esfaqueado com um antigo abridor de cartas de sua própria coleção. O caso esfriou. O assassino nunca foi encontrado.

Eu voltara ali por impulso — talvez uma tentativa tardia de entender o inexplicável.

A mulher que abriu a porta era Elara Finch, sobrinha e herdeira única. Tinha talvez vinte e poucos anos, o rosto pálido e olhos que pareciam ter visto demais. “Detetive”, disse ela em voz baixa. “Achei que o caso estivesse encerrado.”

“Está”, respondi. “Isto é apenas uma visita pessoal.”

A casa cheirava a cera e lembranças. Ela me conduziu até a biblioteca — o local do crime. O tapete ainda guardava uma mancha mais escura, quase imperceptível. Acima da lareira, o retrato de Finch parecia nos observar com olhos que sabiam demais.

“Ele amava o Halloween”, murmurou Elara, olhando para as crianças lá fora. “Passava semanas preparando tudo. Sua especialidade eram figuras de chocolate — unicórnios, dragões, fantasmas. Chamava-os de ‘suas obras-primas’.”

Havia algo em sua voz — um tom contido, amargo sob a saudade.

“Você não gostava disso?”, perguntei.

Ela deu de ombros. “Ele era obcecado por perfeição. Cada peça tinha que ser impecável. No ano passado, antes de… morrer, ele planejou uma série especial — uma edição limitada só para as crianças desta rua. Cada figura, uma peça única.”

A lembrança acendeu algo em minha mente: o inventário das evidências. Entre os doces comuns, havia um item que nunca se encaixara — uma pequena figura de chocolate que os peritos consideraram irrelevante.

“Na tigela de doces, perto da entrada”, falei devagar. “Havia uma dessas figuras, não? Um pequeno fantasma.”

O rosto de Elara endureceu por um segundo. “Sim”, sussurrou. “Ninguém quis pegá-lo. Ficou até o fim.”

Meu telefone vibrou. Era da delegacia. “Voss, achamos as evidências do caso Finch, como pediu. Tudo está aqui — menos a figura de chocolate. O registro diz que foi descartada há seis meses, mas… ninguém sabe quem assinou isso.”

Desliguei. O sangue pulsava alto em meus ouvidos.

Quando olhei novamente, Elara ainda estava à janela. Em sua mão brilhava algo branco — o cartão de identificação de uma evidência: “Caso Finch, Item 7B – 1x Figura de Chocolate (Fantasma)”.

Ela se virou. Na outra mão, segurava a própria figura. O pequeno fantasma escuro.

Um sorriso triste cruzou-lhe os lábios. “Meu tio era um grande artista”, disse. “Mas também um grande mentiroso.”

“Aquela receita da série limitada — ele dizia que era um segredo de família. Mas encontrei os diários da minha mãe. Era dela. A última coisa que me deixou antes de morrer. Ele a roubou. E quando o confrontei, ele riu. Disse que eu nunca entenderia a arte.”

Ela deu um passo à frente. O fantasma de chocolate reluzia em sua mão, como um pequeno crânio ressecado. “Naquela noite, discutimos. O abridor de cartas estava sobre a mesa. Foi um acidente. Mas, quando percebi o que fiz… já era tarde demais.”

“Então fiz o que devia ser feito. Completei sua série. Derreti o chocolate — com a receita dele. E lhe dei a última peça de sua arte. Coloquei-a no bolso do paletó.”

Seus olhos encontraram os meus — serenos, firmes. “Vocês nunca analisaram o chocolate, não é, detetive? Era só uma evidência a mais. Um detalhe sem importância.”

Fiquei em silêncio. A verdade pairava entre nós, fria e inevitável como a noite lá fora.

Elara olhou para a pequena figura, quebrou um pedaço e o levou à boca. “Doce”, murmurou. “E tão amargo.”

Mulher jovem em uma biblioteca escura, segurando uma pequena figura de chocolate em forma de fantasma – atmosfera sombria de Halloween